domingo, 11 de março de 2012

Uma Tasca de Agora

A casa tem um ar asseado mas tresanda a bacalhau com grão, prato do dia, claro, refeições a 7,95 euros, sem digestivo, na janela a toalha de papel anuncia o cardápio (o dito bacalhau, bitoque, cozido à portuguesa, febras de porco, a agora raridade deste não ser dito preto), um rol a lembrar-me que estou em Lisboa, como se para isso não bastasse o sotaque que ali reina. É apenas um pequeno corredor, bem apertando os seus clientes, de um lado meia dúzia de mesas encostadas à parede, do outro o balcão corrido, atrás deste um cubículo onde alguém se afadiga na cozinha, bem à vista dos dois ou três empregados de fato-e-gravata barato, cada um por si, nem jornal, deixados em silêncio de quase-pausa para almoço. Noutras mesas sentam-se meia dúzia de velhas, decerto vizinhas, em torno de um qualquer carioca de limão enquanto vão remoendo os achaques em sonoros tons agudos, não fossemos nós, os outros, ignorá-los.Vão sendo interrompidas, e noto que nisso mostram agrado, pelos dois velhos que ao balcão bebem copos de vinho branco, àcido, cheiro-o. Estes vão ecoando o fel que foi distribuído na televisão, encostada ao tecto. O empregado, com um ar bem-posto, porte elegante, como se ali fosse mero acidente, recebe-me com um ligeiro aceno e o “faça a bondade?!”, mescla tão rara hoje, como se viesse ele não de outro sítio mas de outros tempos. Bebo a bica curta, a àgua das pedras. Depois, e porque estou no meu bairro, porque esta é a minha gente, e aqui é-me tão evidente, e porque estou a tratar dos papéis da morte do meu pai, mesmo que pareça a despropósito bebo um whiskie. Nele, por ele, olho à volta, no estar. E só então reparo que a tasca, se chama “Olivais Coffee” … uma tasca europeia, afinal.

(Bolama)

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Olivais 4 ever



Um motivo improvável trouxe-me a almoçar ao bairro. Tudo com grandes vagares. O ficanço, o deixar-me estar. E na hora de voltar o mesmo caminho, o centro comercial, as traseiras da igreja velha, o café da esquina. Numa mesa cá fora encontro o Lourenço Marques com uns amigos, entre eles uma cara que eu já não via há muito tempo mas que, mesmo com todos os anos passados, me lembrava um convívio um pouco mais próximo nas tardes do olival. Era o Dani, um bafatá radicado na Suíca, um tipo que nos conhece por dentro como nenhum Freud será uma dia capaz de o fazer. Ou seja, um patologista. A certa altura fala-se na Olivesaria e percebemos todos que ele ainda se mantinha um assíduo.
- Mas aquilo já está parado há tanto tempo? - diz o Lourenço Marques, interpretando o sentimento geral . E é aí que o Dani revela o seu segredo:
- Eu ando para trás, ando a ler coisas mais antigas e aquilo liga-me ao bairro.
Nunca me passou pela cabeça que esta folha de couve plasmada no tempo da nossa pasmaceira olivalense ainda rendesse créditos para alguma coisa mas se assim é, pensei, depois de uma hora e tal a descascarmos a árvore das nossas vidas, vou tirar uma foto, esta, e vou empurrar esta pagela para o infinito onde nos colocamos sempre. Como dizia o Miguel Guilherme ao Lourenço Marques quando este foi ver o seu espectáculo com o Bruno Nogueira, Olivais 4 ever.





sexta-feira, 19 de agosto de 2011


terça-feira, 22 de março de 2011

... e coisa mais importante não há ...



Distantes, que se marcharam décadas desde a meninice no Valsassina, dos lanches infantis na Bafatá (nos Teixeiras?), depois passos dados em grupos diferentes, vizinhanças com intersecções, coisa tão típica do bairro que nos fez crescer. A vida vai assim passando, neste "a correr" tantas vezes distraído, mas nisso foi ficando um sempre olhar distante, que gente somos da mesma criação. Agora quarentões ainda aconteceram afectos cruzados nisto do "virtual" afinal nem tanto isso, mais fogueira moderna para nos aquecermos. Depois, avisam-me de tão longe, abrupta, inesperada, voraz, tão exageradamente apressada, "a morte saiu à rua".

Até já Miguel Maria.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Um elogio dos cadernos num belo texto Francisco José Viegas sobre o prazer da escrita à mão. Isso tudo a propósito do encerramento da Papelaria Fernandes. Mas para a gente do bairro o significativo é a sua invocação do nosso Miguel Bastos.

domingo, 1 de agosto de 2010

Um bairro indo


A princesa chega a casa dos reis e nela, olhando os seus horizontes, ainda que sem ter conhecido as hortas húmus destes calhamaços que agora a limitam - coisas daquele tempo em que chópings centres se chamavam centros comerciais - diz, pesarosa apesar da sua idade: "pai, tinha mais piada quando os avós estavam em casa".

sexta-feira, 30 de julho de 2010

O Capitão Nemo dos Olivais




Arrastávamos a adolescência até ao mais que se podia. Depois começaram as (e)migrações, a vida adulta há quem lhe chame. Alguns (e)migrantes calcorrearam estradas parecidas, outros pararam - por vezes - em entroncamentos comuns, matando sedes e fomes. Depois, em cada paragem, haveriam de narrar do onde e como de alguns dos outros, esses que haviam cruzado.

Mas outros, vários, seguiram lonjuras que os tornaram apenas passados. Agora, de repente, encontro rastos, melhor dizendo espumas, de um bem antigo parceiro. Percebo porque o perdera, que se fez Nemo, migrante nos fundos do mar. Parece ainda, diz na foto, que me atravessou as vizinhanças. Não seria de termos unidos as nossas "sedas"?

terça-feira, 27 de julho de 2010

Tantos graus à sombra

Há um quarto de século o pessoal da "rua" continha um grupo pop. Deram, as suas andanças, para belas histórias e alguns encantos. Agora, em visita à pátria amada, ao guiar em plenos 35º graus à sombra, o rádio do carro espanta-me com esta surpresa. Bela, pelas memórias. Bela, pela própria cantora (descubro-o depois), um verdadeiro xuxu. Bela, também, pela ironia do nome, esse "seda" sempre então tão necessária.




terça-feira, 1 de junho de 2010

Naco da década de 80

Se alguém lembrou sons que ecoavam nas ruas em finais dos 70s faço-me eco dos meados de 80s.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

1977 em

terça-feira, 25 de maio de 2010

Sons do bairro

No outro dia tirei meio dia de folga, para ir almoçar aos Olivais com a minha mãe e o meu irmão. Ela estava no curso de informática e eu aproveitei para dar uma volta pelo bairro. Bastou-me ouvir aquele sino para perceber que naqueles sinos meio mecânicos tinha ali uma história. Tenho o vício de contar histórias e as histórias que conto são isto: fragmentos de qualquer coisa que têm um princípio, um meio e um fim. Os sinos da igreja nova no meio de uma manhã no bairro para mim são uma história. O bairro do silêncio quieto e vazio, soprado pelo pouco vento que fazia, são também um fragmento narrativo. Tenho este vício. Lembro-me que um dia estava a trabalhar com as crianças no Bairro da Quinta da Calçada e estive entretido uma boa meia hora a inventar uma história a partir de um pequeno pau de madeira que escorria por um pequeno curso de água que a chuva improvisara. Tornou-se num barco. Transformou-se, como nós também nos transformamos com as histórias que contamos. Eu transformo-me pelo menos. E quanto mais as histórias são improváveis, mais me transformam. Por exemplo, aquela mulher que de repente entra na história pelo soar dos seus tacões, é uma pequena história que se cruza com as duas canadianas daquele homem que entra na farmácia. Ou com a bengala daquela mulher que sobe a rua. Quando os vi, pensei logo num reforço da história: e se eu fosse filmar o barulho da bengala? Ou das canadianas? Quando construímos personagens na Escola de Enfermagem há um pequeno exercício que costumo propôr: com os olhos fechados, vão ouvir o andar de cada uma das personagens que criaram. É um momento de uma grande simplicidade narrativa mas capaz de apaixonar aqueles aventureiros que comigo descobrem o território da criação de personagens. Por vezes, quando acabo as minhas aulas e conversamos sobre o trabalho feito, tenho o meu momento de verdadeira emoção: há um ou dois que descobrem o prazer de descobrir no outro uma história, de descobrir o outro enquanto história. Eu sei, este texto parece ter a doença daquela prosa muito excitada sobre objectos que do ponto de vista expressivo são uma verdadeira banalidade. O que é que isso interessa?

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Fado da Olivesaria

E cá está. Não sei se foi por influência cinematográfica do Jorge António que também passou por aquela noite, o filme, mesmo sem orçamento, fez-se. Em MP4, que é o formato da maior parte dos telemóveis e depois baixando o Pazera Free MP4 to Avi Converter 1.2 para podermos trabalhar estes ficheiros no Windows Movie Maker que já vem com o Windows ( Atenção: Quando convertemos para Avi os ficheiros ficaram sem imagem, só com o som. Deve-se converter para a outra opção disponível, MPG. ) . O bloguer está a aceitar até 100 MB por filme, o que é uma margem muito confortável. Fica o desafio para todos. A escrita de palavras nem sempre é o melhor meio de nos reencontrarmos. Peçam as vossas identidades de volta. Timor, queremos ver o Big Ben! Bolama, dá-nos um pouco da ilha de Moçambique, por favor! Rapariga que veio da província, Beira, não nos emprestam um pouco desses lugares bucólicos com oliveiras, nespereiras, alecrim, para refrescarmos os olhos cansados do cimento cinzento?

Os blogues são como os gatos. Vadios e com muitas vidas. As nossas vidas. E nós precisamos de um lugar para nos encontrarmos. Para encontrarmos o bairro, as suas imagens, que nos habitam. Já depois de termos saído da Casa da Mariquinhas fomos encontrar o Barão dos Olivais que quase julgámos tratar-se da verdadeira identidade da misteriosa Maria Correia, pela simpatia com que falou deste espaço. Afinal há mais gente para quem este lugar ainda faz sentido. Vamos lá, malta! Este espaço precisa de nós tanto como nós precisamos dele. Lembram-se quando pela sorrelfa da noite entrávamos pela nossa própria casa como se fossemos assaltantes e íamos buscar as chaves do carro da família, ou comida ao frigorífico, ou cigarros do maço de tabaco dos nossos pais, e descíamos até ao muro da entrada dos nossos prédios para prolongarmos um pouco mais a alegria de estarmos uns com os outros? Vamos fazer isso novamente. Não tenham vergonha! Entrem à sucapa nos quartos dos vossos miúdos e "peçam-lhes emprestados" os telemóveis 3 G com máquina de fotografar e filmar e saiam para a rua para serem os repórteres da Olivesaria. Este pequeno vídeo é apenas uma brincadeira entre amigos que gostam de se rirem uns com os outros e de si mesmos. Há tanta coisa que se pode fazer para trazer para aqui o bairro ao vivo e a cores. Uma entrevista. Uma conversa. O fado da Olivesaria.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

correio olivalense

"Obrigado pela fantásticas fotos da construção dos Olivais.
Ainda assisti à parte final, com os "catrapilas" a alisarem os jardins,
que foram depois plantados com árvores (que agora tentam escapar ao
abate), e que eram nessa altura regados com mangueira e aparados com
gadanha. Por vezes também estrumados com a passagem de algum rebanho...
Vim para cá com seis anos, e passados quase quarenta e cinco (com
passagem por terras distantes no meio) cá estou, satisfeito por ter todo
este espaço azul e verde (céu e árvores),que já desapareceu da nossa
Lisboa."

JLF

quarta-feira, 21 de abril de 2010



quinta-feira, 25 de março de 2010

ladrões de mergulhos

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Ah, a piscina dos Olivais! Lembro-me de lá ir em miúdo muitas vezes, e quase sempre como da primeira vez, roubando banhos.

Ao princípio ia com o meu pai, lá pelas tardes caniculares de algum verão muito longínquo. Ia escuso, ilegal, mas aconchegado na presença dele. Acho que custava 25 tostões a entrada na piscina grande mas eu nem lá podia entrar que tão tenra idade não me permitia. Íamos então para a piscina das crianças, no terreno lá mais abaixo, para os lados do campo de ténis. Só que pouco depois lançávamo-nos os três pela rampa da calçada acima e esgueirávamo-nos por entre muros para a piscina dos saltos, a dos ‘adultos’. Foi lá que aprendi a saltar, primeiro da prancha de 1 metro, depois, valentão, seguindo o meu irmão mais velho, da dos três. Não sei que idade tinha, mas era tão novo que quase não sabia nadar. Lembro-me disto porque mergulhava de viés, para reduzir o caminho da água que após o mergulho eu fazia atabalhoadamente, quase sempre debaixo da superfície, retendo a respiração, que ali não podia trazer comigo as braçadeiras. Como disse, eram tardes clandestinas - embora disfarçadas pela presença imunizante do meu pai. Levávamos no tornozelo uma pulseira (dir-se-á tornozeleira?) de cor verde, que nos davam com a entrega da roupa e que se destacava das dos crescidos, que eram pretas, e era isso que evidenciava a minha presença furtiva na piscina dos olivais e tornava a tarde ainda mais entusiasmante, que ali se arriscava (a prisão, pensaria eu?), ainda por cima na cumplicidade do meu pai.

Depois cresci e já podia entrar na piscina dos grandes, só que aí já raramente ia com o meu pai. Mas muitas vezes não tinha dinheiro. Saltávamos então o muro junto à Av. de Berlim, escondíamos a trouxa de roupa no canteiro dos lírios e disparávamos pela relva fora até ficarmos fora das vistas. Já não usava a pulseira verde, mas por razões óbvias também não tinha a ‘legalizadora’ pulseira preta. Mais tarde, apesar de continuar a frequentá-la, deixei de lhe achar graça. Pode bem ter sido por se tornar uma fraca alternativa à praia (agora já alcançável) e às simpáticas companhias que ela trazia, mas provavelmente terá sido por falta dos banhos de adrenalina com que me habituei, em mais novo, nessa simpática clandestinidade com que nela mergulhava.
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por Fulacunda